Resenha crítica do livro Presos que menstruam- Nana Queiroz
- carlotinha
- 28 de mar. de 2020
- 7 min de leitura

Olá galera, vou estar citando alguns trechos do livro, a narrativa gira em torno de relatos de mulheres presas no Brasil, cada entrevistada diz o seu relato de vida. O livro em si é muito interessante, tem toda uma fundamentação investigativa, me ajudou bastante nas minhas pesquisas sobre o sistema carcerário brasileiro. Então de já super indico essa leitura, se você deseja conhecer o real sistema prisional na visão das presidiárias. Lembrando que, o livro conta detalhes vivenciados, então são relatos fortes e dolorosos, vale ressaltar também que não estou aqui pra defender um lado, não estou generalizando, cada caso é um caso, nem todo carcereiro é estuprador e nem todo presidiário é vítima. Vou tentar resenhar o que o livro traz de conhecimento sobre essa realidade.Espero que gostem, curtam, comente e compartilhem!!
"Uma tese em voga entre ativistas da área é a de que emancipação da mulher como chefe da casa, sem equiparação de seus salários com o masculino, tem aumentado a pressão financeira sobre elas e levado mais mulheres ao crime no decorrer dos anos... os crimes cometidos por mulheres são, sim menos violentos, mas é mais violenta a realidade que as leva até ele...criar as mulheres para a competição seria uma estratégia da sociedade machista para dividi-las e mantê-las submissas... quando a polícia encontrou a boca deles, não importava quem entregava a droga e quem recebia o pagamento, todo mundo era traficante."
A maioria dessas mulheres tem o tráfico como a única forma de sustento, elas trabalham no transporte do mesmo, mas quando são pegas as próprias são enquadradas como traficantes aumentado assim sua pena. Muitas não têm opção de sobrevivência, já vivem em um ambiente familiar e social vulnerável em que as políticas públicas não são efetivadas, ou seja, é fragmentada, a maioria são analfabetas pardas ou negras, além de muitas serem violentadas de todas as formas. As pessoas de senso comum sempre vão enxergar essas mulheres com um olhar julgador de que “são preguiçosas, recebem beneficio do governo, não querem trabalhar” como se sempre elas tivessem uma opção melhor, mas não têm, todas as opções são umas piores que as outras. Quando essas mulheres conseguem um serviço são altamente exploradas, o que ela ganham de benefício , isso se conseguirem porque ultimamente nesse desgoverno só há cortes na política de assistência, esse dinheiro é tão pouco , que não dar nem pro básico. Essas mulheres principalmente negras e pardas estão lutando por dignidade, pois nem direito a vida elas tem, são mortas todos os dias a cada 1 segundo. Nós mulheres precisamos nos unir e parar de pisar e julgar menos as outras, isso só fortalece o patriarcado que nos manipula e nos mata todos os dias.
"Quando um homem é preso, comumente sua família continua em casa, aguardando seu regresso. Quando uma mulher é presa, a história corriqueira é: ela perde o marido e a casa, os filhos são distribuídos entre familiares e abrigos... as penitenciárias que não possuem a radiografia corporal (essencial para garantir dignidade nas visitas) os parentes passam por revistas vexatórias, tem que abaixar , nus, para que seu orifício anal seja verificado e mulheres têm por vezes que colocar um espelho no chão enquanto abrem a vagina. Crianças não escapam da vergonha e nem bebês, o objetivo é impedir a entrada de drogas, celulares e objetos cortantes... a mulher pode visitar seu marido, engravidar dentro da cadeia e sair: o problema é dela. Se a mulher está presa, o homem a visita e ela engravidam: o problema é do Estado. O preconceito, na realidade, é tão institucionalizado que a própria resolução do ministério da justiça que determinava que o direito à visita íntima deveria ser concedido às mulheres colocava o benefício como uma maneira de combater a homossexualidade."
“O destino das mães é decidido em varas criminais e o das crianças em varas de infância e juventude. Esses dois departamentos da justiça brasileira não estão conectados, ainda, por nenhum sistema informatizado. Assim, cada causa segue tramitando como se a outra não existisse. Durante o processo, os fóruns enviam intimações para o endereço dos pais que têm registrados em seus arquivos. Essas cartas chegam às antigas casas das presas e ficam mofando nas caixas de correio. Elas nunca descobrem que foram convocadas a depor e por isso não manifestam interesse por manter seus filhos e faltam as audiências. O Estado entende a ausência como desinteresse e mergulha a criança no burocrático e ineficiente sistema de abrigos e adoção.”
Posso citar como exemplo a injuria racial que é uma prática racista, pois vivemos em um país em que a leis foram criadas por homens brancos preconceituosos e conservadores que deixaram brechas no sistema para moldar a justiça a seu favor. Então ela se torna na prática falha, burocrática e injusta, alimentado os cofres públicos. Caso não saiba o Estado lucra sim com o sistema prisional e é por isso que o mesmo ainda perpetua essa prática como a “única forma de acabar com a violência”, a verdade é que somente investimentos em educação, saúde e políticas públicas de forma efetiva é que são as únicas opções certeiras de diminuir todas as expressões da questão social. Em países do exterior cada preso significa mais dinheiro no bolso do Estado, dos empresários e bancários. Muitos presos trabalhar até em linhas de produção de empresas como forma de diminuir sua fiança, ou seja, ocorre um barateamento da força de trabalho (tratada como mera mercadoria), o que gera mais valia para as empresas e pro Estado, já que é o mesmo que realiza essa parceria lucrativa. Inúmeras pessoas são presas diariamente sem provas concretas, isto é, seja porque se parecem com o criminoso, ou porque é negro e já é tido como culpado, ou estava passando pelo local do crime, com isso eles são jogados no sistema prisional e morrem, pois a prisão para muitos é uma sentença de morte, principalmente no Brasil em que o sistema carcerário não tem estrutura nenhuma.
“Falam das grávidas que viveram as angústias do parto em celas úmidas e depois viram seus bebês nascerem presos porque ninguém se importou de leva-las a um hospital para dar a luz”. Falam da frieza dos carcereiros que permitem que muitas cheguem ao desespero do suicídio sem nunca encaminhá-las a um psiquiatra. Falam das jovens meninas que vão e voltam com frequência da cadeia, por não acharam outra vida possível quando saem livres. Falam dos horrores da comida que é entregue crua, fria e às vezes com cabelo e inseto. Agora sabem o que nos somos nada. Porque a morte pior é aquela em que você vai pro esquecimento, o que nos torna presentes na natureza é a história.”
A nossa história é contada por brancos, porque ainda hoje o Estado e a sociedade continuam matando os negros e índios e assim aos poucos morrem com eles sua história, e o que nós estamos fazendo para mudar essa realidade?! .Além disso, ainda sobre o sistema carcerário é importante ressaltar que para sobreviver você precisa ter dinheiro ou amigos ou fazer serviços sexuais e domésticos do contrario você morre, ou seja, caso elas não tenha alguém na prisão para dar suporte para conseguir se manter (conseguir produtos de higiene) e sobreviver, as detentas tem que se prostituir tanto para os carcerários (as) como para as presas que chefiam determinados grupos. Até o local que elas se sentam no pátio são alugados e pagos para as líderes, o cárcere no Brasil é um grande depósito em que as pessoas são jogada e tratadas como lixos, um sistema sem nenhuma estrutura com superlotação, com celas mistas depois de um bom tempo é que foram construídas penitenciárias femininas. São raros os cárceres que possuem assistente social, psicóloga e psiquiatra, essas mulheres não possuem nenhum aparo social e psicológico e vão definhando ao poucos longe da família e dos filhos. O Estado se torna conivente quando financia este tipo de crueldade e se silencia.
“Dopar as presas é um artifício para controlar a falta de pessoal capacitado para lidar apropriadamente com problemas emocionais e psicológicos... grandes redes de tráfico internacional costumam aliciar mulheres em situação de vulnerabilidade para fazer o serviço mais arriscado em seu lugar. Assim, se pegas, elas não dirão nada por medo. Essas mulheres , pobres , pouco instruídas , doentes ou mães solteiras, também aceitam correr perigo por quantias mínimas. Em muitos casos, as mulas são usadas como iscas fáceis para atrair a atenção da polícia enquanto o verdadeiro carregamento de drogas chega ao destino.”
O seriado Narcos México (fala sobre a história de um dos maiores traficantes de maconha no México) e Narcos Colômbia (fala da história de Pablo Escobar relacionado com trafico de cocaína). Nesses seriados mostram várias mulheres que se utilizavam de transporte de drogas para cruzar a fronteira seja engolindo os saquinhos ou introduzindo no ânus , muitas morriam de overdose pois o saco se abria dentro do organismo, muitas aceitavam fazer esse trabalho pois queriam o tratamento para aids e as pessoas que trabalhavam no tráfico convenciam elas que mesmo se elas fosse pegas no sistema prisional do Brasil elas teriam acesso ao tratamento, o que claramente é mentira, a maior parte do presídios do Brasil estão em situação precária em todos os aspectos.
“O sistema carcerário brasileiro comete graves erros ao colocar homens trans. em presídios femininos e mulheres trans em presídios masculinos desrespeitando seus direitos à identidade sexual e o sujeita a situações de assédio, prostituição e até estupro. A avaliação de para onde mandar cada preso é feita com base na conferencia do órgão genital, mesmo que a medicina e o Estado já reconheçam que há muitos mais fatores que determinam nossa sexualidade do que um pênis ou uma vagina... a homossexualidade nas prisões femininas é considerada maior do que nos presídios masculinos, algumas chegam a dizer que não são, mas “estão lésbicas”.
Recentemente o Dr. Drauzio Varella fez uma reportagem para o programa (Fantástico) mostrando a realidade do sistema prisional para pessoas trans, e foi altamente julgado quando foi empático e abraçou a entrevistada. Independente do crime que as pessoas pratiquem não justifica que essas pessoas vivam de forma sub-humana não olhem o problema de forma reta , as pessoas cometem certas atitudes na vida por inúmeros fatores sociais que as rodeiam, é muito fácil julgar e dizer que as pessoas se tornam criminosas porque querem, quando se tem privilégios. Não estou generalizando , mas na maioria das vezes que um ser humano comente um ato violento por trás dessa atitude tem um série de fatores desde a infância que desencadeou essa atitude do presente. Cada pessoa enfrenta suas dificuldades e problemas de forma, somos diferentes e cada um tem seu tempo de aprendizado. Isso não justifica a ação do Estado e da sociedade de explorar, torturar e matar essas pessoas. Quantos casos de lixamentos em vias públicas (justiça com as próprias mãos) acontecem diariamente porque a sociedade se acha juiz da situação e não conseguem analisar o contexto social que aquele individuo estar inserido, acabam muitas vezes matando pessoas inocentes, mesmo que a justiça brasileira seja falha, essas pessoas possuem o direito de serem julgadas pelo judiciário e não pela população local.
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